quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Visita ao Sótão

  Há cerca de uma semana atrás estive no sótão da antiga casa onde morava para buscar alguns objetos que acabaram ficando para trás na mudança de endereço que fiz no ano passado. Peguei de volta, entre outras coisas, minhas velhas agendas, companheiras que estiveram presentes em todos os anos que se passaram desde que comecei a fazer uso delas, em 1995. Além de fazer anotações relacionadas ao trabalho e aos compromissos corriqueiros, eu escrevia pensamentos e expressões diversas que manifestavam meu estado de espírito naqueles momentos. Havia também diversos extratos de autores que lia e que normalmente se associavam aos ideais que eu defendia. Por isso, essas agendas se tornaram verdadeiros diários, como verdadeiras cápsulas do tempo, para mim.

  Esta semana comecei a folhear um desses “diários”, aquele que mais me toca e que sempre me chamou mais a atenção. Uma agenda de 1996. Repassando as suas páginas reparei o quanto está repleta de planos e sonhos, cheia pensamentos e textos que representavam a minha filosofia de vida de então. Eu tinha 23 anos, na época. Deparei-me com uma pessoa de espírito determinado, de cosmovisão elástica e abrangente. Com reflexões tão profundas quanto às que tenho atualmente; muito embora eu não tivesse respostas para as diversas questões que me rodeavam (hoje, confesso que tenho mais perguntas do que respostas) isso não parecia me incomodar. O que importava era uma busca incessante de autoconhecimento e uma percepção mais clara desse mundo complexo, equipando-me, para isso, com uma visão de mundo otimista e romanesca. As anotações, em profusão, se expressavam sonhadoras, altivas por vezes, mas cheias de humanidade e fé, em Deus e em mim mesmo.
 
  Continuei lendo aquelas páginas até chegar ao mês de junho, onde as palavras começavam a diminuir de intensidade e força, até se tornarem pequenas notas marginais sem conteúdo em julho, e desaparecendo por completo em agosto. Daí em diante as páginas estavam todas em branco até o final da agenda. Nem mesmo as notas referentes a compromissos estavam presentes. Lembrei que o meio daquele ano fora o marco de uma mudança radical de filosofia de vida: Por causa do eu que julgava ser uma epifania deixei para trás todos os sonhos e planejamentos pelos quais trabalhava.

  Dez anos depois as ilusões se foram, junto com as suas promessas. Retomei a minha vida com certa dificuldade, resolvi rever velhos conceitos e me voltar para antigos sonhos. Alguns têm se realizado, embora que de uma estranha forma. A vida, afinal, é cheia de surpresas mesmo. Muitos outros estão adiante. Talvez eu ainda os alcance, talvez não...

  Hoje, não sei dizer se aquela mudança foi boa ou ruim, se guiei a minha vida ou se me deixei guiar pelos outros. Não sei dizer se fui uma folha verde presa ao galho de uma árvore ou uma folha seca levada pelo vento. Talvez o futuro possa trazer as respostas para essas novas questões.

  Todavia, extraordinário é como podem as palavras escritas por um jovem de 23 anos soar de maneira tão segura, madura e prática, e servir de conselho para ele mesmo 14 anos mais tarde. São pequenas gotas de sabedoria que ficaram gravadas para um futuro onde ele necessitaria reconstruir a sua própria identidade. O essencial não é em que condição se encontra a nossa realidade, mas como nós a percebemos. A mudança vital é sempre de dentro para fora. De certa forma, é o pensamento que molda nossa percepção de mundo e das coisas que nos cercam. Em certos momentos da vida faz-se necessário uma mudança de paradigmas.

  Parafraseando as palavras que um velho amigo vivia repetindo, e que eu anotara na agenda: “Somos viajantes neste mundo e, de vez em quando, necessitamos de uma parada para descanso. Lembremo-nos sempre, contudo, de sentar para descansar voltados para o que ainda falta prosseguir.”

  Afinal, a seta termodinâmica do tempo aponta apenas para uma direção.