Há alguns dias atrás a Universidade do Havaí fez um anúncio importante. Novos cálculos diminuíram as chances do asteróide Apophis se chocar com a Terra – 1 chance em 300 mil – e a data do possível encontro mudou para o ano 2068.
O Apophis tem cerca de 250 metros e foi descoberto em 2004. Naquela época, os cálculos de sua órbita demonstraram 1 chance em 37 de ele atingir a Terra. A data fora estabelecida para o dia 13 de abril de 2029. Nesse dia, de fato ele passará a cerca de 30 mil km da superfície terrestre (o que é muito perto, considerando que os satélites de comunicação de órbita geoestacionários ficam a 36 mil km de altitude). Uma análise mais apurada foi feita algum tempo depois e as chances de impacto mudaram para 1 em 45 mil, dessa vez em 2036.
Após revisões, a nova estatística anunciada que considera o possível desastre para 2068 também diminuiu as chances para 1 em 300 mil. Mas ela não é conclusiva, afinal de contas qualquer perturbação gravitacional na órbita do asteróide poderia contribuir para aumentar ou diminuir o risco de impacto.
Somente nas últimas duas décadas os especialistas começaram a demonstrar maior preocupação com essas rochas à deriva no espaço. Apesar de a caça a asteróides ter sido uma atividade popular no século XIX – no final daquele século havia cerca de mil conhecidos -, no início do século XX poucos astrônomos queriam se dedicar à descoberta desses planetóides rochosos e estavam mais interessados em analisar o espaço profundo, repleto de novas galáxias e estruturas desconcertantes reveladas pelos avanços da astrofísica. Mesmo a descoberta dos asteróides do século anterior não obedeceu a um registro sistemático, o que levou os astrônomos que retomaram esse trabalho a rever as descobertas dos pioneiros, muitas vezes percebendo que uma descoberta recente na realidade era um objeto que já tinha sido localizado outrora.
Foi na década de 1950 que o primeiro estudo sério sobre impactos catastróficos começou a ser desenvolvido pelo então geólogo Eugene Shoemaker. Naquela época a cratera do Meteoro, no Arizona, era considerada uma depressão causada por uma ação natural de explosões de vapor subterrâneo – nunca existiu tal coisa, mas era uma teoria aceita na época. Shoemacker acreditava que a cratera fora formada pelo impacto de um objeto do espaço. Essa idéia não era original, tendo sido considerada por outros antes dele. Mas junto com outros três colegas, Shoemacker começou uma pesquisa sobre o sistema solar interno utilizando o observatório de Palomar, na Califórnia, em busca de asteróides com trajetórias que pudessem cruzar com a órbita da Terra.
No início da década de 1970, outro geólogo, Walter Alvarez, desenvolvia um trabalho de campo num desfiladeiro na cidade de Gubbio, na região montanhosa da Úmbria, quando analisou uma fina camada de argila com 6 centímetros de espessura que separava as camadas geológicas do Cretácio e do Terciário. Essa é a marca da época da extinção dos dinossauros, 65 milhões de anos atrás. O desaparecimento brusco dos dinossauros até então era um mistério aberto a teorias. O que chamou a atenção de Alvarez era o que poderia haver naquela fina camada de argila vermelha que pudesse lançar mais luz sobre a questão. Com a cooperação de um colega de seu pai, que trabalhava no Laboratório Lawrence Berkely, na Califórnia, ele obteve um resultado preciso da composição da amostra daquela argila, e ficaram impressionados com o que descobriram. A quantidade de irídio na amostra – mil vezes mais abundante no espaço do que na crosta terrestre - era mais de trezentas vezes além do nível normal. E mais: amostras da camada de argila do mesmo período provenientes de outros lugares - Dinamarca, Espanha, França, Nova Zelândia, Antártida – revelaram resultados semelhantes e com quantidades até mais abundantes de irídio.
Finalmente, eles concluíram que somente um evento catastrófico causado pelo impacto de um corpo celeste poderia ter espalhado poeira com irídio naquelas proporções por todo o planeta. O cataclismo ocorrido explicaria a razão do desaparecimento repentino dos dinossauros.
A idéia não foi aceita pela comunidade científica logo de início e era vista com desconfiança. O catastrofismo não era uma teoria corrente no início da década de 1980. Mesmo o famoso paleontólogo Stephen Jay Gould, duvidou. ‘Por que um objeto com apenas uns 10 quilômetros de largura causaria tanta destruição num planeta de quase 12 mil quilômetros?’, ele confessou mais tarde.
Faltava aos três cientistas apenas uma coisa para comprovar sua teoria: encontrar o local de impacto. Algumas décadas antes, uma empresa petrolífera havia descoberto uma formação com 193 quilômetros de largura e 48 quilômetros de profundidade, em formato de anel, na península do Yucatán, em Chicxulub, a cerca de 950 quilômetros de Nova Orleans. Os geólogos da empresa pensaram que era resultado de ação vulcânica. Com a posse desses dados, em 1990, um dos pesquisadores que contribuía com o trabalho de Alvarez para a detecção do possível local de impacto rumou para a região e afirmou que aquela era a cratera que eles procuravam. Em 1991 foi comprovado, sem margem para dúvidas, que ele estava certo.
Mas a prova de que pequenos objetos do espaço podem causar devastação global ocorreu mesmo em julho de 1994, quando os fragmentos do cometa Shoemacker-Levy 9 colidiram com o planeta Júpiter. O cometa foi descoberto por Eugene Shoemacker, sua esposa, Carolyn, e David Levy, parte do mesmo grupo que despertou a atenção da autoridade científica para o perigo de um impacto. A forte gravidade de Júpiter desintegrou o cometa - que fora capturado para o interior do sistema solar após ter sua órbita desequilibrada por algum outro objeto celeste - em 23 pedaços que seguiram em direção ao planeta.
Júpiter é 11 vezes maior do que a Terra e a sua massa é trezentas vezes superior. O maior planeta do sistema solar é uma gigantesca bola de gás e embora sua superfície não seja sólida, talvez sua região central seja. Os astrônomos achavam que o impacto seria um fiasco, como publicado num artigo da revista Nature, na época. No dia 16 de julho, ocorreu a primeira colisão. Sua explosão criou uma bola de fogo gigantesca levantando uma coluna de detritos com mais de 3 mil quilômetros de altitude. Ao retornar ao planeta, os detritos criaram uma mancha negra com o tamanho equivalente a um terço do diâmetro da Terra. Os impactos que ocorreram nos dias seguintes atingiram a superfície repetindo o mesmo padrão. O Núcleo G, o maior deles – mais ou menos do tamanho de uma montanha pequena - atingiu o planeta liberando a incrível força de cerca de 6 milhões de megatons o que é 75 vezes superior a todas as armas nucleares existentes. Tudo isso foi registrado ‘ao vivo’ pelo telescópio espacial Hubble e pela sonda espacial Galileu, que viajava em direção a Júpiter durante o acontecimento.
O espetáculo bastou para calar os críticos da teoria de Alvarez e conscientizou a comunidade científica de que o mesmo poderia, no passado, ter acontecido no planeta Terra. E ainda pode. Verbas foram liberadas para engrossar o caldo dos programas de pesquisa que descobrem e rastreiam asteróides e cometas, como a organização de Levantamento de Proteção Espacial (Spaceguard Survey) que conta com a colaboração de vários países.
A massa total dos milhões de asteróides entre Marte e Júpiter é de aproximadamente metade da massa da Lua. Existem três asteróides realmente ‘grandes’, Ceres, Pallas e Vesta, com diâmetros de 913, 580 e 540 quilômetros de diâmetro, respectivamente. Cerca de uma dúzia de bólidos com mais de 200 quilômetros. Mais de 10 mil com mais de 100 quilômetros. Os menores são bem mais numerosos, com cerca de 750 mil com diâmetros acima de um quilômetro, e mais ou menos uns 28 milhões maiores que um campo de futebol que são especialmente difíceis de detectar.
Eventos na escala do que causou a extinção dos dinossauros ou do impacto ocorrido em Júpiter são raríssimos, mas inevitáveis. A estimativa do estudo da Spaceguard Survey, em 1992, é que de 20% a 40% dos objetos celestes hoje considerados perigosos (com mais de um quilômetro de diâmetro) poderiam se chocar contra nosso planeta em algum tempo futuro.
Como nos filmes de ficção "Impacto Profundo" e "Armageddon", resta saber o que poderemos fazer no caso da confirmação de impacto com um objeto dessa magnitude. Existem várias propostas de interceptação, se a descoberta for feita com anos de antecedência, como no caso do primeiro filme. Mas isso é assunto para outro post.
No mês de julho deste ano o planeta júpiter foi novamente flagrado no exato momento em que era atingido por um asteróide ou cometa. Pelo menos para o gigante gasoso esses eventos não parecem ser tão incomuns.