sexta-feira, 19 de junho de 2009

Vida, maravilhosa vida!


  Achei genial o filme ‘O curioso caso de Benjamin Button’, dirigido por David Fincher. A história é baseada num conto escrito em 1922, por F. Scott Fitzgerald (1896-1940), sobre um sujeito "nascido em circunstâncias incomuns". Benjamin nasce velho, em estado degenerativo com catarata e artrite, num quadro médico próximo da morte. O recém-nascido é abandonado pelo desafortunado pai, ironicamente, na escadaria de um asilo, onde é encontrado e adotado por uma funcionária do lugar. Contrariando a expectativa de todos, a criança se recupera “milagrosamente” e convive quase despercebido entre os outros anciãos que vivem no asilo. Benjamin passa os primeiros anos da sua vida assistindo aos outros idosos como ele indo e vindo, enquanto se torna mais jovem e vigoroso a cada ano que passa, na contra mão do ciclo da vida. Ele perfaz uma história ao contrário no tempo, rejuvenescendo a cada aniversário, até se tornar novamente um bebê.

  Curiosamente, o que mais me chamou a atenção no filme não foi esse fato inusitado, nem os notáveis efeitos visuais, a maquiagem e a direção de arte, que lhe renderam 3 merecidos oscars - sem contar as brilhantes interpretações de Brad Pitt e Cate Blanchett. O que me encantou foi a narrativa do pitoresco personagem, registrada por ele mesmo num diário que é lido durante o filme. Através das memórias ali contidas sua jornada se descortina diante de nós. Tudo o que Benjamim nos conta, excluindo sua estranha doença – se é que podemos chamar assim – são acontecimentos corriqueiros de uma vida que poderia ser a minha ou a sua. Claro que o filme é poético e romanesco, e penso que a nossa vida deveria mesmo ser mais carregada de poesia e romance. Com efeito, o romance bem amarrado da narrativa gera certa expectativa de como tudo vai terminar devido o caso fora do comum de Benjamim. Na maior parte do tempo, porém, ele vê a vida e as pessoas passando diante de si sem maiores surpresas. O que torna sua narrativa tão especial é a forma como ele conta os acontecimentos - como a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial - de uma perspectiva toda sua. Nesse aspecto, as pessoas que passam por sua vida se tornam curiosos coadjuvantes nas suas descrições; como o inesquecível sujeito que não perde uma oportunidade para contar como foi atingido 7 vezes por um raio. Mérito do roteirista Eric Roth, que assinou também o roteiro de Forrest Gump, outro famoso contador de histórias.

  Ao terminar de assistir a película, não pude deixar de refletir sobre como a nossa existência é de fato especial. Apesar de cada pessoa ser mais um no meio de uma população de quase 7 bilhões de habitantes espalhados pelo globo, de uma perspectiva individual nossa existência é exclusiva. Cada um de nós faz sua própria jornada. Acompanhamos o ciclo da vida com as mesmas necessidades, enfrentado os mesmos problemas e buscando mais ou menos as mesmas coisas. Não importa sob quais circunstâncias nascemos, “Vamos todos para a mesma direção. Apenas seguimos caminhos diferentes para chegar lá” – diz a mãe de Benjamim, em certo momento do filme. Mas ainda assim possuímos algo que nos difere uns dos outros, nossa identidade. O que nos confere uma história interna e pessoal desenvolvida a partir da forma como percebemos o mundo. A vida, contudo, parece indiferente à nossa percepção e mesmo contra todas as possibilidades continua a sua trajetória. Nossa existência, como a de Benjamim, é um milagre e cada novo dia de vida deve ser considerado uma benção, não importa a idade.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

O complô


  Tenho um amigo muito especial, mas dono de uma ingenuidade extrema. Ele parece uma pessoa fácil de impressionar e que normalmente acredita em coisas meio incomuns, mesmo quando são enunciadas de formas pouco convincentes. Ele raramente questiona a fonte de uma informação por mais incoerente que ela seja. Há alguns anos atrás, veio com um disquete de computador que, segundo disseram a ele, continha um documento de texto com uma articulação judaica para a conquista do mundo. Uau!!! De fato, quando abri o arquivo, tratava-se de uma cópia eletrônica dos Protocolos dos Sábios de Sião.

  Os Protocolos são uma conspiração atribuída a sábios judeus que contam os detalhes de um plano para dominar o mundo. Na verdade, esse documento é uma falácia forjada pelo serviço secreto russo, em 1898, para convencer o tzar Nicolau II de que o movimento revolucionário que ameaçava a estabilidade política era parte de um plano judaico. A farsa foi encomendada a um inescrupuloso e ganancioso exilado russo que vivia na França, Mathieu Golovinski, que plagiou um livro intitulado “O Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu”, publicado em 1864. Golovinski fez uma verdadeira colagem dos textos, adaptando e acrescentando apenas alguns pontos para que servissem ao nefasto propósito de seus clientes. Eis a verdadeira origem dos Protocolos dos Sábios de Sião.

  Essa é uma triste história contada por Will Eisner (1917-2005) no seu último álbum: “O Complô - A História Secreta dos Protocolos dos Sábios de Sião” – publicado aqui no Brasil pela Cia. das Letras. O autor dedicou anos em pesquisas a fim de levantar todos os dados do caso e seus desdobramentos. Ao acompanhar seu relato, apresentado magistralmente na linguagem dos quadrinhos, temos uma clara idéia dos danos que esse manuscrito exerceu, colaborando para fomentar ainda mais o anti-semitismo pelo mundo afora. Através da obra de Will Eisner ficamos sabendo que, de Henry Ford, que mais tarde se retratou quando se convenceu da farsa, a Hitler, os Protocolos vêm sendo utilizados para “alertar” o mundo dessa suposta ameaça judaica. Na Europa, por exemplo, nas décadas de 1920 e 1930 os Protocolos eram quase tão populares quanto a Bíblia. Segundo o livro de Eisner, não há quase ou nenhum movimento de intolerância aos judeus que não tenha sido influenciado pelo panfleto. Ainda hoje, esses livros são publicados entre árabes, europeus e asiáticos, não obstante as provas trazidas a lume em 2002, publicadas pelo jornal parisiense Le Figaro, que atestam definitivamente a falsificação.

  O mais impressionante é que, mesmo diante da exposição dessa fraude, inúmeras pessoas desinformadas aceitam essa idéia sem a mínima noção do que estão fazendo. Colaboram para a sobrevivência daquilo gerou os Protocolos: o ódio e a intolerância por um povo. Isso é racismo. Umberto Eco, que escreveu a introdução do álbum de Eisner, comenta: “Como se pode explicar a resistência contra todas as provas e o perverso apelo que esse livro continua a exercer?”. Ele conclui não muito otimista: “Acredito que – apesar de corajoso, e não cômico, mas trágico livro de Will Eisner- essa história está longe de terminar. Ainda assim, é uma história que merece ser contada, porque devemos combater a Grande Mentira e o ódio que ela cria”.

sábado, 6 de junho de 2009

Tirando da caixa

  Muito bem bolado esse comercial da Audi. Vi outro dia na internet e não pude deixar de postá-lo aqui. Mérito da produtora 1stAveMachine de Nova York.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Ontem, sob um novo olhar


  Comecei a trabalhar em computadores em meados de 1993. Como desenhista de prancheta, precisei passar por um pequeno período de adaptação. Lembro que após alguns meses e já dominando as ferramentas disponíveis em programas como Corel Draw e Photo Styler, todas as vezes que voltava para a prancheta e cometia algum erro, meus dedos chegavam a iniciar um movimento para acionar as teclas CTRL+Z. Esse é o atalho para desfazer operações mal-sucedidas nos programas com base em Windows. O engraçado é que isso era quase freqüente no início, tamanha minha inserção no mundo virtual. Obviamente, no mundo real o único recurso que tinha nesses momentos era bem menos prático: uma borracha aqui, uma raspada com o estilete ali...

  Acho que todos nós já pensamos pelo menos uma vez na vida, na possibilidade de voltar atrás no tempo para mudar uma decisão precipitada ou alguma palavra impensadamente proferida, dentre outras coisas, numa extensa lista. A idéia de poder desfazer nossos erros viajando ao passado é extremamente atraente. A possibilidade de desferir um CTRL+Z em certos momentos da nossa vida e simplesmente deletá-los do nosso histórico – como no Photoshop - bem como suas conseqüências, é pura ficção. Trata-se de um pensamento hipotético sem chances de ser realizado. Podemos lidar com os problemas do passado, mas não da maneira como gostaríamos.

  Esquecemos que se isso fosse possível, perderíamos ótimas chances de nos tornar pessoas melhores e jogaríamos fora uma das principais características da humanidade: a de aprender com os próprios erros e amadurecer. Declarações do tipo: “se fosse hoje faria de outro jeito”, ou “não devia ter dito aquilo”, são freqüentes e em muitos casos se transformam em pesados fardos que muitos carregamos dentro de nós, disfarçados da melhor forma possível. Pergunto-me se isso é mesmo necessário. Se não é melhor tomar uma posição positiva diante dos fatos, como comenta a autora Lya Luft em seu livro “Perdas e Ganhos”: “Na relativa lucidez da maturidade veremos que a maior parte desses “buracos” se tornam menos funestos quando se constata: “naquele momento, naquela circunstância, eu fiz o melhor que podia.” Quase sempre havia um motivo: filhos pequenos, problema do companheiro, real dificuldade em se afastar concretamente da casa ou da cidade, a pressão social ou familiar, havia... nem sempre coisas negativas. Apenas realidades com as quais se tentou lidar como se podia àquela altura”. E ela conclui: “Amadurecer serve para isso: o novo olhar, na lucidez de certo distanciamento, permite compreender aspectos nossos e alheios antes obscuros. Por vezes promove-se uma espécie de anistia. Partindo dela podem-se reconfigurar padrões.”

  Isso me leva a pensar em outro aspecto que devemos considerar, que é a nossa incapacidade de prever o futuro. Adaptamo-nos a novas realidades. As conseqüências daquilo que parece ruim no presente podem ser benéficas a médio e longo prazo no futuro. Como no caso de uma conhecida comerciante de roupas que perdeu seus investimentos e precisou vender as aquisições alcançadas após anos de trabalho árduo, para pagar as dividas. Em pouco tempo, mudou de uma vida na esfera da alta sociedade, de coquetéis glamorosos e viagens ao exterior para outra, onde depender de ônibus passou a ser a única maneira de se locomover. Um ano após esses eventos ela ainda revivia a situação, pensando que poderia ter agido de maneira diferente para evitar a falência. Mas apesar de ter passado por momentos difíceis, ela se adaptou e hoje não trocaria sua vida simples por nada. Investiu em talentos que estavam a sua disposição o tempo todo esperando apenas serem percebidos e utilizados. Se pudesse voltar ao passado, provavelmente não faria nada para mudar o curso dos acontecimentos que lhe trouxeram a presente realidade, pois encontra muito mais prazer na vida agora do que outrora.

  Difícil aceitar, mas se pararmos para analisar, concluiremos que passamos a maior parte do tempo no nosso passado ou futuro. Negligenciamos o presente por causa da nossa inabilidade para resolver situações que já ocorreram e que influenciam aquilo que somos e fazemos hoje, das quais parecemos não ter domínio. Ao mesmo tempo somos tomados pela tensão gerada pelas incertezas do futuro, antecipando um sofrimento desnecessário, fruto das preocupações que temos sobre fatos que muitas vezes tem uma probabilidade mínima de suceder.

  Fixar nossa atenção no presente pode nos levar a perceber que a realidade não é tão dura assim, que nossos problemas podem ser apenas uma questão de perspectiva. Podemos perceber novamente que a vida é uma dádiva de Deus da qual se deve tomar posse agora. Que os efeitos do passado são apenas sombras que podem se tornar um arco-íris de diferentes cores que refrigeram e revigoram ao invés de inquietar. Quanto ao futuro, um horizonte de infindáveis perspectivas e surpresas por se desdobrar.

  Certa vez, Martin Luther King declarou com propriedade: “Não estamos onde queremos estar, não estamos onde estaremos, mas certamente não estamos onde estávamos ontem.”

  E se nossa sensibilidade estiver aflorada perceberemos que nunca estivemos sozinhos.