segunda-feira, 1 de junho de 2009

Ontem, sob um novo olhar


  Comecei a trabalhar em computadores em meados de 1993. Como desenhista de prancheta, precisei passar por um pequeno período de adaptação. Lembro que após alguns meses e já dominando as ferramentas disponíveis em programas como Corel Draw e Photo Styler, todas as vezes que voltava para a prancheta e cometia algum erro, meus dedos chegavam a iniciar um movimento para acionar as teclas CTRL+Z. Esse é o atalho para desfazer operações mal-sucedidas nos programas com base em Windows. O engraçado é que isso era quase freqüente no início, tamanha minha inserção no mundo virtual. Obviamente, no mundo real o único recurso que tinha nesses momentos era bem menos prático: uma borracha aqui, uma raspada com o estilete ali...

  Acho que todos nós já pensamos pelo menos uma vez na vida, na possibilidade de voltar atrás no tempo para mudar uma decisão precipitada ou alguma palavra impensadamente proferida, dentre outras coisas, numa extensa lista. A idéia de poder desfazer nossos erros viajando ao passado é extremamente atraente. A possibilidade de desferir um CTRL+Z em certos momentos da nossa vida e simplesmente deletá-los do nosso histórico – como no Photoshop - bem como suas conseqüências, é pura ficção. Trata-se de um pensamento hipotético sem chances de ser realizado. Podemos lidar com os problemas do passado, mas não da maneira como gostaríamos.

  Esquecemos que se isso fosse possível, perderíamos ótimas chances de nos tornar pessoas melhores e jogaríamos fora uma das principais características da humanidade: a de aprender com os próprios erros e amadurecer. Declarações do tipo: “se fosse hoje faria de outro jeito”, ou “não devia ter dito aquilo”, são freqüentes e em muitos casos se transformam em pesados fardos que muitos carregamos dentro de nós, disfarçados da melhor forma possível. Pergunto-me se isso é mesmo necessário. Se não é melhor tomar uma posição positiva diante dos fatos, como comenta a autora Lya Luft em seu livro “Perdas e Ganhos”: “Na relativa lucidez da maturidade veremos que a maior parte desses “buracos” se tornam menos funestos quando se constata: “naquele momento, naquela circunstância, eu fiz o melhor que podia.” Quase sempre havia um motivo: filhos pequenos, problema do companheiro, real dificuldade em se afastar concretamente da casa ou da cidade, a pressão social ou familiar, havia... nem sempre coisas negativas. Apenas realidades com as quais se tentou lidar como se podia àquela altura”. E ela conclui: “Amadurecer serve para isso: o novo olhar, na lucidez de certo distanciamento, permite compreender aspectos nossos e alheios antes obscuros. Por vezes promove-se uma espécie de anistia. Partindo dela podem-se reconfigurar padrões.”

  Isso me leva a pensar em outro aspecto que devemos considerar, que é a nossa incapacidade de prever o futuro. Adaptamo-nos a novas realidades. As conseqüências daquilo que parece ruim no presente podem ser benéficas a médio e longo prazo no futuro. Como no caso de uma conhecida comerciante de roupas que perdeu seus investimentos e precisou vender as aquisições alcançadas após anos de trabalho árduo, para pagar as dividas. Em pouco tempo, mudou de uma vida na esfera da alta sociedade, de coquetéis glamorosos e viagens ao exterior para outra, onde depender de ônibus passou a ser a única maneira de se locomover. Um ano após esses eventos ela ainda revivia a situação, pensando que poderia ter agido de maneira diferente para evitar a falência. Mas apesar de ter passado por momentos difíceis, ela se adaptou e hoje não trocaria sua vida simples por nada. Investiu em talentos que estavam a sua disposição o tempo todo esperando apenas serem percebidos e utilizados. Se pudesse voltar ao passado, provavelmente não faria nada para mudar o curso dos acontecimentos que lhe trouxeram a presente realidade, pois encontra muito mais prazer na vida agora do que outrora.

  Difícil aceitar, mas se pararmos para analisar, concluiremos que passamos a maior parte do tempo no nosso passado ou futuro. Negligenciamos o presente por causa da nossa inabilidade para resolver situações que já ocorreram e que influenciam aquilo que somos e fazemos hoje, das quais parecemos não ter domínio. Ao mesmo tempo somos tomados pela tensão gerada pelas incertezas do futuro, antecipando um sofrimento desnecessário, fruto das preocupações que temos sobre fatos que muitas vezes tem uma probabilidade mínima de suceder.

  Fixar nossa atenção no presente pode nos levar a perceber que a realidade não é tão dura assim, que nossos problemas podem ser apenas uma questão de perspectiva. Podemos perceber novamente que a vida é uma dádiva de Deus da qual se deve tomar posse agora. Que os efeitos do passado são apenas sombras que podem se tornar um arco-íris de diferentes cores que refrigeram e revigoram ao invés de inquietar. Quanto ao futuro, um horizonte de infindáveis perspectivas e surpresas por se desdobrar.

  Certa vez, Martin Luther King declarou com propriedade: “Não estamos onde queremos estar, não estamos onde estaremos, mas certamente não estamos onde estávamos ontem.”

  E se nossa sensibilidade estiver aflorada perceberemos que nunca estivemos sozinhos.

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