
Tenho um amigo muito especial, mas dono de uma ingenuidade extrema. Ele parece uma pessoa fácil de impressionar e que normalmente acredita em coisas meio incomuns, mesmo quando são enunciadas de formas pouco convincentes. Ele raramente questiona a fonte de uma informação por mais incoerente que ela seja. Há alguns anos atrás, veio com um disquete de computador que, segundo disseram a ele, continha um documento de texto com uma articulação judaica para a conquista do mundo. Uau!!! De fato, quando abri o arquivo, tratava-se de uma cópia eletrônica dos Protocolos dos Sábios de Sião.
Os Protocolos são uma conspiração atribuída a sábios judeus que contam os detalhes de um plano para dominar o mundo. Na verdade, esse documento é uma falácia forjada pelo serviço secreto russo, em 1898, para convencer o tzar Nicolau II de que o movimento revolucionário que ameaçava a estabilidade política era parte de um plano judaico. A farsa foi encomendada a um inescrupuloso e ganancioso exilado russo que vivia na França, Mathieu Golovinski, que plagiou um livro intitulado “O Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu”, publicado em 1864. Golovinski fez uma verdadeira colagem dos textos, adaptando e acrescentando apenas alguns pontos para que servissem ao nefasto propósito de seus clientes. Eis a verdadeira origem dos Protocolos dos Sábios de Sião.
Essa é uma triste história contada por Will Eisner (1917-2005) no seu último álbum: “O Complô - A História Secreta dos Protocolos dos Sábios de Sião” – publicado aqui no Brasil pela Cia. das Letras. O autor dedicou anos em pesquisas a fim de levantar todos os dados do caso e seus desdobramentos. Ao acompanhar seu relato, apresentado magistralmente na linguagem dos quadrinhos, temos uma clara idéia dos danos que esse manuscrito exerceu, colaborando para fomentar ainda mais o anti-semitismo pelo mundo afora. Através da obra de Will Eisner ficamos sabendo que, de Henry Ford, que mais tarde se retratou quando se convenceu da farsa, a Hitler, os Protocolos vêm sendo utilizados para “alertar” o mundo dessa suposta ameaça judaica. Na Europa, por exemplo, nas décadas de 1920 e 1930 os Protocolos eram quase tão populares quanto a Bíblia. Segundo o livro de Eisner, não há quase ou nenhum movimento de intolerância aos judeus que não tenha sido influenciado pelo panfleto. Ainda hoje, esses livros são publicados entre árabes, europeus e asiáticos, não obstante as provas trazidas a lume em 2002, publicadas pelo jornal parisiense Le Figaro, que atestam definitivamente a falsificação.
O mais impressionante é que, mesmo diante da exposição dessa fraude, inúmeras pessoas desinformadas aceitam essa idéia sem a mínima noção do que estão fazendo. Colaboram para a sobrevivência daquilo gerou os Protocolos: o ódio e a intolerância por um povo. Isso é racismo. Umberto Eco, que escreveu a introdução do álbum de Eisner, comenta: “Como se pode explicar a resistência contra todas as provas e o perverso apelo que esse livro continua a exercer?”. Ele conclui não muito otimista: “Acredito que – apesar de corajoso, e não cômico, mas trágico livro de Will Eisner- essa história está longe de terminar. Ainda assim, é uma história que merece ser contada, porque devemos combater a Grande Mentira e o ódio que ela cria”.
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