Já fui criança. Quem não é já foi um dia, claro. Não sei qual era o jargão que usava todas as vezes que queria alguma coisa. Como eu passava a maior parte do dia com a minha mãe, acho que era o natural MANHÊÊÊ... Muitas vezes ouvia ela dizendo sarcasticamente, já enjoada de ouvir a mesma coisa o dia inteiro, que eu devia chamá-la pelo nome de algum doce. Afinal, as crianças adoram doces (e lógico, mãe e pai também).
Acordo por volta das 6h da manhã, noutro dia típico de domingo. Procuro levantar na frente do meu filho e da minha esposa para colocar os pensamentos em ordem e vou para meu pequeno escritório (que funciona meio como estúdio e sala de estar), enquanto navego pela internet e acesso o meu mailbox. Neste fim de semana trouxe trabalho extra para casa e utilizo essa janela de tempo, entre 6 e 8 horas da manhã, para definir o que fazer primeiro. Hoje não vai dar para sair com a família.
Estou diante do computador, aturdido em meio ao universo binário traduzido em forma de imagens e textos na minha tela, quando de repente irrompe pela porta do meu quarto um garotinho de 5 anos de idade com olhos meio murchos de quem acabou de acordar. Ele fica parado na entrada coçando a barriga e então solta um “ÔÔ PAAI...”. O pedido vem em seguida: “...faz chocolate pra mim?” . Lá vou eu pra cozinha preparar o chocolate (de quebra, já faço outro café pra mim também) enquanto ele vai vacilante para a sala ligar a TV.
Retorno para meus afazeres, numa tentativa de me concentrar e coloco uma música do Vangelis ao fundo, para inspirar . Meia hora depois meu filho aparece de novo: “ÔÔ PAAI (a cadência é mais ou menos essa), posso jogar Guerra nas Estrelas?” Ok, aqui cabe uma explicação: O pai é um fã de carteirinha dos icônicos personagens espaciais criados pelo George Lucas. E que coincidência, meu filho também é! Só que enquanto eu jogo títulos voltados para adultos como Star Wars Battlefront ou Republic Commando, meu pequeno padawan tem a sua própria versão do universo da Lucas Arts, o game Lego Star Wars; que, devo admitir, é um dos jogos mais divertidos que eu já tive o prazer de experimentar.
Estou novamente diante do computador, examinando o que servirá de base para a criação de novas estampas e procurando montar textos que se encaixem. Após me desejar um bom dia e depois uma boa conversa, minha esposa já está num vai e vem frenético, também com seus afazeres. Minutos depois, um som irrompe a melodia que enchia o ar: “ÔÔ PAAI... me ajuda?”. Lá vou eu, agora para tentar ajudar a salvar o bonequinho que o meu filho controla no jogo de algum 'buraco' onde ele o meteu ou resolver algum puzzle comum nesse tipo de game.
Dali a pouco ele desiste de jogar e vai brincar com seus brinquedos. Ouço meu filho fazendo o som de um motor de carro e o barulho do choque entre os carrinhos enquanto ele simula algum acidente exagerado que desafia as leis da gravidade. Só então vejo um gato passando correndo pelo corredor em frente à minha porta na direção de onde ele está. Fico somente aguardando. Alguns minutos depois o Daniel aparece: “ÔÔ PAAI, o gato não quer deixar eu brincar”. Dedé, nosso gato, é uma espécie de companheiro do meu filho. Ele é um filhote ainda, e adora brincar com tudo o que se move. Os carrinhos do Daniel são alguns dos seus brinquedos prediletos. Mas noto que ultimamente meu filho tem deixado o gato bem sem-vergonha com as suas brincadeiras de correr de um lado para o outro para se esconder dele, mergulhando atrás dos móveis. O Daniel fica parado, imóvel, com o Dedé olhando para ele sem mover um músculo mas em posição de ataque. Quando meu filho faz um movimento surpresa o gato corre saltitando até ele e os dois rolam no chão. Duas crianças numa brincadeira perigosa. Por causa disso, o gato já não pode mais ficar muito tempo dentro de casa. Quando o Daniel aparece no corredor engatinhando para lá e pra cá fazendo 'miau' vejo que é hora de dar uma volta com ele.
O dia está bonito, tem sol e o céu está com aquele belo tom azul típico dos dias de inverno. Levo meu filho para andar de bicicleta numa calçada próxima enquanto caminho a pé tentando acompanhá-lo. Quando voltamos já está quase na hora de almoçar, metade do dia se passou e eu não fiz nem a metade do que me programei para fazer. Talvez meu sobrinho possa passar a tarde lá em casa para brincar com o Daniel.
Do contrário, já sei o que me espera na outra metade do dia. E quer saber de uma coisa? Não consigo pensar como seria minha vida sem isso.