quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Sci-fi com consciência

    Avatar é o filme do ano! Acabei de retornar do cinema e confesso que ainda estou sob o efeito das impressionantes imagens da película. Um verdadeiro primor de beleza e detalhamento gráfico de realismo astronômico. O projeto despendeu cerca de 500 milhões de dólares em 10 anos envoltos de mistério e de alarde midiático, em grande parte causado pela tal tecnologia que viria inovar o conceito dos filmes 3D (o equipamento para dar vida ao mundo concebido por Cameron não existia). Mas valeu à pena esperar. Sim, James Cameron revolucionou o cinema 3D! Em nenhum momento de seus quase 162 minutos de exibição me pareceu estar assistindo a uma animação, mas a um live action.
   Os personagens humanos estão perfeitamente inseridos em um ecossistema construido de tecnologia digital e com alto grau de realismo em todos os seus mínimos detalhes. Os Na’Vi, a raça alienígena nativa do hostil planeta Pandora, são apresentados como arquétipos de culturas indígenas de todas as partes da Terra - que conhecemos e com os quais acabamos nos identificando rapidamente - e tão detalhadamente ricos de minúcias gráficas que podemos perceber os poros da pele deles transpirando. O planeta é alvo da ganância e ignorância dos seres humanos que estão interessados na valiosa substância chamada unobtainium. A aldeia dos Na´Vi fica localizada exatamente sobre uma abundante reserva do precioso objeto de cobiça, mas todas as tentativas 'amigáveis' de levar os nativos a abandonar o local são fracassadas. Como última alternativa a empresa responsável pela ação envia avatares – seres humanos com mentes temporáriamente transferidas para corpos de Na´Vi - para infiltração e investigação da aldeia e seus habitantes a fim de encontrar pontos vulneráveis. Mas o agente infiltrado acaba se envolvendo com os nativos tornando-se defensor da causa deles.


    O roteiro não oferece surpresas, valendo-se de uma fonte da qual outras obras, cinematográficas ou não, também já beberam – qualquer semelhança com o prodigioso Dança com Lobos, de Kevin Costner, não é mera coincidência. Amiúde, mesmo sendo presumível, a história recontada não diminui a força do espetáculo. Outro aspecto que chama a atenção e enriquece o roteiro é o seu aspecto místico que alude à hipótese Gaia, levando inevitavelmente o apelo da preservação ambiental. As referências estão todas lá. Em certo ponto do filme (espero que isso não soe como spoiler) o herói se prostra diante de uma árvore que, acredita-se, sintetiza uma espécie de força que conserva e conecta a alma do planeta às almas de todos os seres que o habitam, e solicita a sua ajuda para o desfecho da crise que está chegando ao ápice. Nesse momento, ele confessa o pecado de seus antepassados que destruíram todo o verde de seu planeta natal e estão prestes a fazer o mesmo com aquele lugar. Nesse instante, a narrativa toma o aspecto de um oráculo, mais uma vez apontando para um futuro sombrio onde a louca aventura humana esgotou os recursos do seu planeta de origem.
   Discurso ecologicamente emblemático e conveniente nestes tempos em que os grandes líderes mundiais  se reuniram no COP 15 e para a decepção geral, não chegaram a um acordo plausível de comprometimento para a redução da emissão dos gases que provocam o efeito estufa (leia-se dentre outros, principalmente, os EUA). Ou seja, continuarão a liderar a lista dos países que mais exploram danosamente os recursos naturais do planeta parecendo não se importar muito com isso.

   Agora, resta-me aguardar a estréia do já bastante alardeado - aqui e lá fora – Moon, de Duncan Jones, e a biografia romanceada do revolucionário Charles Darwin, narrada no filme Creation, que espero ansiosamente entrarem circuito por aqui. Enquanto isso, passo o tempo com a química bem humorada dos nerds da telesérie The Big Bang Theory, cujo DVD da primeira temporada acabei de receber de presente. Uma breve digressão.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Resgatando o romantismo

  Petrópolis é a minha cidade. Meu lar. Está privilegiadamente localizada em meio a Serra dos Órgãos sendo, por isso mesmo, dotada de uma beleza natural incomparável. Além dos atrativos turísticos – a cidade é herança de um sonho do Imperador Dom Pedro II -, conta com uma programação cultural bem variada: cinema, teatro, espetáculos de dança e música, exposições artísticas, sem contar com a gastronomia diversificada. A fundação de cultura e turismo do município mantém um site a programação cultural realizada a cada mês, bem como informações de serviços para turistas.
  Fiz uma breve visita a esse site no final do mês passado, procurando confirmar a data e o horário da “Serenata Imperial” que tem lugar no icônico Palácio de Cristal, na última quinta-feira de cada mês.

  Na quinta-feira, cheguei ao Palácio de Cristal pouco após as 20h; a serenata já estava começando. A banda era formada por seresteiros acompanhados pelo som dos violeiros, do cavaquinho, dos instrumentos de sopro e do pandeiro. O conjunto todo era conduzido por um animado coordenador que fazia também a introdução de cada composição que ia ser executada. No grupo composto principalmente por pessoas da meia-idade para cima, havia pelo menos quatros jovens que chamavam a atenção, e me despertaram a satisfação de ver que a juventude também se interessava pela boa música e demonstrava esse interesse no engajamento de um projeto tão especial. Projeto esse responsável por resgatar características tão fugidias da geração atual: o lirismo, a pureza da paixão proseada ou cantada em versos ora repletos de alegria, ora profundos na melancolia do amor não correspondido. O público estava representado principalmente pela terceira idade – uma boa parte eram turistas de Minas Gerais. A bela apresentação elevou-me acima dos problemas rotineiros, transferiu-me para algures e inundou-me de amor e paixão pela vida, trazendo à lume doces recordações que, ao serem revividas através das cantigas que enchiam o salão, recriavam as mesmas impressões da época.

  Lembrei-me, ainda com certo frescor, de ter participado do “Petrópolis em Serenata”. Um bairro vizinho foi visitado pelo evento e eu não pude deixar de ir, ainda mais convidado por um saudoso cliente e amigo. Na época, eu editava os convites. Meu cliente era um dos responsáveis pela realização do programa – que acontece até hoje –, privilegiando simultaneamente duas localidades da cidade por mês.

   Naquela noite, poetas, cantores, violeiros e o povo convidado, estavam reunidos no final da rua a partir da qual iniciaram as cantigas embaladas ao som dos instrumentos. Eu e minha esposa acompanhávamos o grupo que embalava canções dos compositores e intérpretes de saudosos anos que cobriam décadas do mais profundo lirismo. Tempo em que o romantismo era exalado nas ruas, diante das sacadas e janelas que se abriam ao som dos trovadores; no interior de bares e nas esquinas, em rebuscadas declarações de amor cheias de poesia e beleza. Compositores e intérpretes como Ari Barroso, Orestes Barbosa, Noel Rosa, Maisa, Vinícius de Moraes e muitos outros, eram homenageados. Enquanto soavam suas canções, entoadas pelos músicos numa passeata que crescia, descíamos a rua que terminava e dobrávamos a esquina para tomar um outro caminho, seguindo o itinerário pré-estabelecido. Aludindo aos poetas apaixonados, que se declaravam sob a sacada da janela de sua amada banhados pela luz do luar, frequentemente parávamos diante das casas, em canto, ao som dos violeiros. Atraídos para as sacadas e portões, os moradores se deliciavam com a melodia sentimental que enchia de enlevo aquela noite especial. Quando prosseguíamos nosso caminho, alguns desses moradores deixavam suas casas para seguir conosco. Ao final, quando terminamos de percorrer a rua derradeira, permanecemos na cantiga e a pedidos, outra e outra composição era executada, até que chegou a canção de despedida.

  Aquela, como essa noite de quinta-feira, foi para mim memorável e revigorante.