segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Devaneios de fim-de-ano

Faço-me essa pergunta: Qual é o sentido da vida?
O ser humano se assemelha a um autômato preso a um script previamente escrito pelo destino e do qual não pode escapar? Isso me faz pensar  na incapacidade de prever e de controlar o nosso futuro, embora gostemos de acariciar essa possibilidade. Admitimos constantemente  deter uma liberdade que, simplesmente, talvez realmente detenhamos. Atrelados a realidade que somos, insistimos atribuir nossas escolhas ao livre-arbítrio - característica humana que confere a liberdade de ser e agir. Em termos práticos eu defino quem sou constantemente, ainda que a minha vida seja uma consequência das escolhas de outrora e de eventos que não estão sob o meu controle. Não são as consequências que configuram quem eu sou. Mas a atitude que assumo diante delas, todos os dias. Isso me dá consistência e define quem eu sou, de fato. Um viva para a dignidade humana!

Até certo ponto esse pensamento está correto, mas não totalmente - e não discorrerei sobre isso aqui. Concordo que, no final das contas, é o pensamento que modela a nossa concepção de mundo - a percepção da realidade. Essa é uma mera construção interna, pessoal e pode não dizer respeito à verdadeira natureza das coisas. Não diz respeito aos agentes externos e as pressões do meio no qual estamos inseridos e que, até certo ponto, são capazes de nos moldar e determinar os rumos da nossa história.

Não é o que respeita a própria história da civilização. A dos nossos antepassados mais remotos, cujo passado, controlado pelo presente, pode não conter o selo da verdade, e pode ser apresentado sob sofismas jeitosamente estruturados para a satisfação e manutenção de governos e instituições poderosas com o intuito de dominar as massas. Quem pode provar o contrário? Quem controla o presente, controla o passado - 1984 de George Orwell.  Mas essa é apenas uma ligeira digressão, embora exemplifique o meu discurso...

A constante busca pela verdade, ao meu ver, faz parte do sentido da vida, que é experimento e evolução. Um evolução constante no conhecimento e na experiência da vida adquirida sobre si mesma. Sem saber ao certo o que vem a seguir, se é que algo existe do outro lado, o que importa é o desenvolvimento em todos os aspectos práticos e essenciais, principalmente na dádiva da caridade. Do amor ao próximo. A existência do outro concede valor à minha própria, atribuindo dessa forma, um sentido. A lição é simples. Mas de difícil compreensão e, obviamente, de assimilação.

E toda essa verborragia em plena virada de ano nada mais é do que o externar de um ser que procura encontrar o seu lugar para acalmar inquietação de sua alma.

Mais resenhas no icultgen

Outras duas resenhas que escrevi foram publicadas no site icultgen. Agradeço mais uma vez aos desenvolvedores do site a oportunidade, bem como os livros que me enviaram.
Para acessar as resenhas no site, clique nas imagens abaixo:


Teoria pouco convincente


Ao ver, numa livraria, a capa do livro O Sinal - O Santo Sudário e o Segredo da Ressurreição, de Thomas de Wesselow, devo dizer que o título me chamou a atenção de imediato. Logo minha ponta de interesse foi solapada ao imaginar que a obra provavelmente devia ser fruto de mais um fanático religioso ou aspirante de teorias absurdas sobre o controverso Sudário de Turim. Certamente, eu passaria muito longe desse livro, não fosse o preço mais que convidativo de uma recente promoção na Submarino e uma breve pesquisa sobre o seu autor e o escopo da obra. Para a minha surpresa, Wesselow não é um religioso mas um historiador de arte. Eliminei a primeira razão para não adquirir o livro, citada acima - capaz de desviar o meu interesse. Agora faltava descobrir se a minha segunda razão tinha fundamento ou se o autor apresentaria algum argumento verdadeiramente fenomenal para fazer valer o subtítulo pretencioso.

Okay. Dei uma chance ao livro e encarei suas quase 400 páginas com curiosidade.
O Sudário de Turim foi desacreditado pela comunidade científica após ter sido exposto a uma série de exames empíricos. Para muitos, trata-se de uma pintura engenhosamente produzida entre os séculos XIII e XIV - essa última, época oficial de sua primeira aparição pública em Troyes, pequeno povoado na França . O pano, contudo, é um artefato inacreditável. Nele, nota-se nitidamente, à distância de uns 2 metros, várias manchas amareladas e difusas que, descolorindo o linho, formam a imagem fantasmagórica de um homem nu - frente e costas. Sua posição, de recém sepultado, é anatomicamente surpreendente. Mas o que ressalta antes de mais nada a surrada peça são as manchas vermelhas que se fazem ostensivas nas mãos e braços, pés, cabeça, costas e uma estranha mancha do lado direito o peito. Mãos e pés parecem perfurados. As marcas nas costas sugerem dilaceramento da pele. Chibatadas. Sinais que lembram imediatamente uma das práticas da pena capital romana infligidas a criminosos e inimigos do Império, há 2.000 anos atrás, a  crucificação. Ainda que não historicamente, o único personagem conhecido que corresponde exatamente as características de flagelo da impressão do Sudário é Jesus. O judeu que teria sido coroado com uma coroa de espinhos, morto crucificado, perfurado no lado por uma lança romana e ressuscitado, dando início ao maior movimento religioso e cultural da história da humanidade.
Era considerado uma fraude desde o século XIV, após o resultado de investigações a pedido do bispo de Troyes. Exibido publicamente na recém inaugurada igreja de Lirey, foi devolvido para a família de Godofredo I,  detentora do pano e que o considerava autêntico.
De lá pra cá, a mortalha quase foi perdida num incêndio na Capela de Chambéry, em 1532. Foi salva por pouco. Apesar dos danos sofridos, a imagem não foi comprometida e as freiras do lugar lhe fizeram remendos e puseram um forro novo.

Em uma de suas raríssimas exposições públicas, foi fotografado pela primeira vez por Secondo Pia, em 1898. Enquanto revelava o trabalho em seu laboratório, ficou impressionado com rosto que surgia dos negativos. A imagem em negativo do Sudário revelava, diante de seus olhos, uma impressão que ninguém tinha visto até então. Estopim para novas pesquisas e teorias, a velha conclusão de que o tecido não passava de uma falsificação da Idade Média foi abalada pela inacreditável revelação e outras descobertas que atravessaram o século XX. Especialmente a década de 1970. Nenhuma delas contundentes. As tentativas de ligar o Sudário ao século I e, principalmente, a figura de Cristo, resultavam sempre em ambiguidades - embora o respaldo arqueológico indicasse que o linho pudesse provir da Palestina e os padrões de tessitura correspondessem àquela cultura. Em 1988, porém, pedaços do tecido foram expostos ao teste de carbono-14 e a comunidade científica pôs um fim à discussão. Os testes comprovaram que o linho foi produzido entre os séculos XIII e XIV. O resultado anacrônico abalou a comunidade de pesquisadores defensora da autenticidade do Sudário.

Thomas de Wesselow nos apresenta, inicialmente, um mistério. O mistério da Páscoa ou da Ressurreição de Cristo. A base da pregação do cristianismo, movimento que cresceu surpreendentemente nos primeiros séculos. O capítulo introdutório de O Sinal narra esses acontecimentos segundo os evangelhos, o testemunho de Paulo, o livro dos Atos dos Apóstolos e as poucas menções de historiadores da época.

Unido ao coro dos que não concordam com o resultado da datação por carbono-14, o autor passa então a se valer da pesquisa dos sindonologistas que tiveram contato com o Sudário e com as evidências arqueológicas que remontam a possibilidade de origem no século I. Discorre sobre a impressionante impressão do homem do Sudário e as várias teorias e recriações da fraude, com resultados sempre aquém do original,  a fim de atestar a impossibilidade de engenhosidade humana. Finalmente, parte para diversas suposições de impressão natural causadas por emanações corporais. Nesse ponto, o livro contém um apanhado de informações preciosas que seriam bem mais interessantes caso não estivessem dispostas para comprovar a autenticidade do Sudário com o fim de promover a sua ambiciosa teoria sobre a Ressurreição.

E é aqui que seu livro atesta minha segunda impressão inicial.

A segunda metade da obra é uma pretensão equivocada para explicar racionalmente a origem do cristianismo e o sucesso de sua rápida ascensão - obviamente ligado ao seu cerne, a inexplicável Ressureição de Jesus. Wesselow sugere, categoricamente, que o Cristo ressuscitado não pode ser outra coisa senão o próprio Sudário. Nessa tentativa ele reinterpreta algumas passagens dos evangelhos e do Novo Testamento sempre se utilizando do texto grego original. Encaixa, de maneira nem sempre convincente, o Sudário nas situações que julga embasadas em testemunho histórico, mas distorcidos pelo fato dos evangelhos resultarem de tradição oral, sendo registros não muito precisos e geralmente ambíguos. Cita os evangelhos apócrifos. Procura explicar a diferentes narrativas sobre a descoberta do túmulo vazio - surpreendentemente sustenta que o túmulo não estava nada vazio, para validar suas hipóteses - e elimina os testemunhos que classifica como complementos fantasiosos para tentar explicar e dar forma física ao Jesus Ressurreto (como a aparição de Jesus a duas testemunhas no caminho de Emaús). O resultado é uma interpretação forçada que se reconhece como uma visão racional e viável da origem do Cristianismo.

Não me convenceu.

Para validar sua teoria, Thomas de Wesselow se torna extremamente repetitivo, deixando a agradável exposição da primeira parte do livro dar lugar a uma série de pressupostos que reforçam seu argumento, já duvidoso desde o instante em que detalha a maneira como os apóstolos teriam interpretado a impressão na mortalha de Jesus. O início dessa exposição nos é apresentada como um insight repentino seu, uma ideia exclusiva - o que talvez não seja - que resultou nos cinco anos de pesquisa sobre o material que gerou o livro e cujas respostas entram para a já enorme onda de especulações sobre o Sudário.

Genuíno ou não, apesar de tudo, o Sudário de Turim é uma peça, no mínimo, desconcertante.  E, penso, pode sim ter sido o tecido que envolveu Jesus no sepulcro quando, por conta da aproximação da Páscoa, não foi possível finalizar o ritual de sepultamento, ficando esse para ser concluído posteriormente. Na tentativa de identificar o pano como a mortalha que teria envolvido Jesus, a pesquisa do autor é abrangente e bastante esclarecedora, atestando ou contestando essa possibilidade. O livro seria melhor se ficasse apenas nisso.

O Sinal - O santo Sudário e a Ressurreição de Cristo
Thomas de Wesselow
512 páginas
Editora Paralela