terça-feira, 28 de julho de 2009

Com a cabeça na lua

   Nas noites de Lua cheia, mesmo após os dias mais agitados gosto de ficar admirando o redondo astro no céu, muitas vezes do telhado de casa. A luz do luar cria um clima ideal para a meditação e induz em mim uma profunda reflexão da vida como um todo. Para as almas românticas é o despertar da inspiração e das explosões de amor.

  A primeira vez que mirei a Lua através das lentes de um telescópio foi mágico. As lágrimas correram dos meus olhos. Estava minguante. Era como se repentinamente o tempo tivesse estacionado por um instante, enquanto aquele imenso disco semi-iluminado seguia o seu curso silencioso, sem dar a mínima para mim. Eu podia ver as sombras dos vales e montanhas projetadas pela luz solar que banhava parte de sua superfície que empalidecia de estonteante beleza. Apesar de já ter visto dezenas de fotos das mais diversas distâncias do astro, nada se comparava àquela singular experiência. Era como se uma janela tivesse se aberto para o um horizonte de excelência e harmonia. Enquanto um misto de maravilha e contentamento tomava conta do meu ser, eu capturava aquele momento de transcendência que guardaria como uma das visões mais espetaculares que tivera chance de vivenciar.

  Desde tempos imemoriais, essa esfera selenita incita a imaginação da mente humana com fascínio e terror. Na ausência de explicações para o espetáculo noturno, os povos primitivos recorreram às historias extraordinárias gerando lendas e deuses que facilitavam a compreensão de tudo. Os deuses tinham poderes sobrenaturais e governavam os fenômenos da natureza, sendo capazes de alterar o seu equilíbrio. Os astros eram considerados entidades que governavam o dia e a noite. A Lua era a deusa ou deus que envolvia de mistérios o céu noturno. Há mais de 3.000 anos atrás, os Assírios e os povos do Sul da Arábia comemoravam o décimo quinto dia do terceiro mês de seus calendários primitivos – o dia da lua cheia no calendário lunar - como um dia especial ao deus-lua. Prestavam cultos e faziam oferendas. Já os egípcios, consideravam a Lua um ponto de parada da alma em sua jornada para o Céu.

   Os eclipses que ocorrem periodicamente deram lugar a todo o tipo de superstições e mitos que estavam normalmente associados a maus presságios. Quando o Sol e a Lua eram eclipsados, nossos antepassados interpretavam o fenômeno como se os astros tivessem sido abalados por forças opostas. A mente primitiva imaginava monstros malignos, dragões e serpentes que procuravam usurpar o trono dos deuses. Muitas culturas desenvolveram rituais que representavam o embate das forças do bem e do mal na expectativa de contribuir para a vitória de seus deuses e o retorno da ordem natural das coisas. Em alguns casos organizavam danças que eram executadas com grande algazarra, a fim de espantar o monstro que tentava devorar o astro. Na china, era hábito lançar flechas em direção aos eclipses e bater tambores com o mesmo fim. Chung Wang, quarto imperador da dinastia dos Hsai, condenou à morte os astrônomos Hsi e Ho porque não previram o eclipse do Sol de 22 de outubro de 2.137 a.C. – tamanha a idéia de importância desses fenômenos para o bem estar do império.

  Conta-se que Cristovão Colombo se utilizou das informações do livro do astrônomo judeu Abraham Ben Samuel para conseguir dos indígenas alimentos e água para sua viagem de retorno à Europa. Sabendo antecipadamente que um eclipse lunar ocorreria naquela noite ele se dirigiu aos nativos ameaçando apagar a Lua. Quando começou o eclipse, os índios viram que ele não estava brincando e começaram o trabalho.

  Nem sempre a Lua causava reverência e espanto. O sonho de viajar até o disco prateado já transitava há muito, nas mentes devaneadoras e aventureiras. A primeira descrição de uma jornada até a Lua data do século II. Nela, Luciano Samósata conta como uma violenta tempestade oceânica arremessa um navio tripulado à superfície lunar. Essa narrativa encontra-se no livro Histórias Verdadeiras. Obviamente, esse conto não tem nada de realista, e parece ter sido a intenção do autor fazer uma crítica a sociedade da época - nossos heróis se vêem em meio a um conflito entre os habitantes da Lua e os habitantes do Sol, conseguindo retornar ao nosso planeta apenas após uma trégua entre eles.

  Uma abordagem um pouco mais científica foi feita por Johannes Kepler (1571-1630), em 1593, quando se perguntava como os fenômenos celestes seriam percebidos por um observador que estivesse na superfície da Lua. Defensor da concepção heliocêntrica, que postulava a Terra e os demais planetas girando em torno do sol - simpatizantes desse conceito eram perseguidos pelos geocentristas - resolveu desenvolver um conto de ficção para disfarçar as idéias que exporia no livro. Dessa forma, imaginou que elas pudessem ser mais aceitáveis aos aristotélicos. Imbuído dessas considerações, ele escreveu “Sonnium”. O livro narra a aventura de Duracotos que, após ser expulso de casa por sua mãe, consegue um trabalho somo assistente do astrônomo dinamarquês Tycho-Brahe (1546-1601) onde apreende o conhecimento dos corpos celestes. Alguns anos depois, Duracotus volta para casa e conta tudo para sua genitora. Esta, por sua vez, conta-lhe que já sabia daquilo tudo, graças às revelações de uma entidade benéfica que ela chamava de “o demônio de Lavaria”. Por meio desse ente, eles são transportados para a Lua onde são instruídos sobre a astronomia e a biologia lunares. Através dessa fantasia, Kepler divulgava suas idéias heliocêntricas tentando não gerar polêmica.

  Sua prudência porém, não adiantou muito e após distribuir seu conto entre um pequeno número de pessoas influentes, um incidente lhe impediu de publicar o livro. A forte personalidade de sua mãe, Catarina Kepler, provocou diversas acusações caluniosas por parte dos vizinhos. Em 1620, ela se tornou réu do tribunal da inquisição acusada de praticar magia negra – em parte porque interpretaram seu livreto literalmente. Kepler a defende e, depois de 2 anos ela é libertada. Mas ele ficou conhecido como filho de feiticeira até a sua morte.

   Mas foi apenas entre 1865 e 1870, que a publicação de dois livros intitulados “Da Terra à Lua” e “Ao Redor da Lua” aproximaria a ficção de conquistar o nosso satelite à realidade. O autor era Júlio Verne que, com vários ingredientes, fazia as aventuras narradas em seus livros cientificamente palatáveis, descrevendo e antevendo maravilhas tecnológicas que surgiriam no século seguinte. Vários detalhes envolvidos na empreitada de suas estórias previu com riqueza de detalhes os passos que daria, um século mais tarde, o programa Apollo, da NASA (Agência Espacial Norte Americana).

  O sonho de pisar na Lua não era mais uma arroubo de fantasia e misticismo, mas uma possibilidade dentro dos limites da ciência e do conhecimento humano. Um sonho realizável, bastando apenas o desejo de alcançá-lo.

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